Ao contrário do título deste prospecto, os brasileiros não duvidam — incluindo os apedeutas que negam a ciência — que a nação esteja sofrendo com as vicissitudes que (o descumprimento da quarentena) a peste do Covid-19 acarretou.
Esse horizonte soturno, repleto de caos e agonia, faz com que o desespero se una à inscicia e produza o dislate que apregoa o retorno da inflação que macerou o país nas últimas décadas do Século XX.
Mesmo que haja uma impressão de que o raciocínio lógico e formal tenha sido expugnado pelo surrealismo no Brasil, é válido redigir algumas linhas — ao menos em consideração à posteridade —no intuito de esclarecer que os preços do arroz e de uma porção de mantimentos não se elevaram por causa de uma tempestade inflacionária apocalíptica, e sim por uma eventualidade macroeconômica denominada “choque de oferta”. Também é importante frisar que as soluções apresentadas para um determinado enigma não se aplicam em outras circunstâncias, dado que tais operações acabariam multiplicando as dificuldades nacionais.
O senso comum atesta que os produtos estão sendo rigorosamente atingidos por um fleimão pecuniário; todavia, as escriturações oficiais das metas de inflação asseveram que tal glioma vem flutuando abaixo dos níveis estipulados pelo Banco Central do Brasil (BCB), especialmente o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), responsável por manter o equilíbrio da turgidez econômica. Não obstante, os polímatas que as redes (antis)sociais vertem de maneira similar à eclosão de artrópodes nos bueiros desprezam todos os critérios estatísticos possíveis. Logo, esse furor que almeja isolar o encarecimento das mercadorias — sintoma frequente do choque de oferta ou de demanda — em um vértice diferente do aumento generalizado e contínuo dos preços; que reflete a essência dos fenômenos inflacionários, é uma tarefa radicalmente nula e insensata.
Por via de regra, a população brasileira acredita que o redutor verídico das taxas de inflação é um dispositivo mendaz que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão público de reputação ilibada, utiliza de modo intencional para efetuar os cálculos e divulgar as informações. O resultado dessa platitude é uma cortina de fumaça que embaralha a realidade socioeconômica do país, isto é, a diminuição do poder aquisitivo dos cidadãos devido ao esfacelamento da moeda. É por isso que o fato de haver alimentos — itens que correspondem a quase 1/5 da cesta básica no IPCA — com valores exorbitantes não significa tanto assim, pois outros artigos fundamentais para a constituição do índice seguem em baixa; alguns demonstram uma retração estentórea. Em síntese, o abscesso cambial do Brasil referente aos custos já vem transitando em categorias inferiores há vinte e seis anos por conta desses movimentos compensatórios que projetam a economia em um horizonte aquém das intermitências do sistema de verificação dos elos inflacionários.
É preciso ressaltar que, de certa forma, essa mixórdia faz sentido para os leigos. Não é totalmente insólito julgar que uma ocorrência cotidiana e preestabelecida; que reverbera em todas as atividades do Brasil, seja um mero pacto corporativista. Na verdade, o que se rotula como “inflação” é um elemento completamente abstrato. Não há meios de tateá-la e acondicioná-la em um esquife. Portanto, é necessário que exista um segmento de reta colinear; dividido por lapsos temporais, e que viabilize um cenário propício à reproduzi-la. Em transliteração distensa: quem “visualiza” o intumescimento dos produtos nos supermercados é um desvairado! Os únicos fatores capazes de serem observados neste ambiente é o encarecimento e a suavização dos preços — apesar de que o segundo prolegômeno é algo tão raro que os brasileiros mal se recordam.
Aproveitando o ensejo sobre reminiscência, a escalada de preços que a carne bovina registrou no ano passado é similar ao vendaval contemporâneo do arroz, posto que as duas celeumas foram exemplos notórios de choques de ofertas, sendo a China um dos propulsores dessa intempérie através do estoque superlativo de mantimentos oriundos do Brasil. No entanto, os cortes mais nobres já apontam uma deflação variável entre 8,3% e 20,4% há quase um trimestre. No índice acumulado em doze meses, um recuo de praticamente 2,1%.
Usualmente, o preço dos alimentos são os mais volúveis que existem. São flexíveis mediante valorização pecuniária e renda por intermédio da demanda. Em termos lacônicos, isso quer dizer que é admissível interromper o consumo ou substituir certos itens sem grandes pormenores. Exemplos não faltam: legumes, verduras e condimentos exaram, juntos, uma alta maciça de 33,4% no primeiro semestre; contudo, tiveram uma redução de 11,7% em julho e agosto. Já os pomos cítricos denotaram uma elevação real de 25% nos custos sobre uma alíquota que drapeja em uma série anual de 3% ao mês. Entretanto, o quilo da laranja —fruta de maior procura entre as que compõem o seu gênero —despencou 15,9% no mesmo período. No âmbito da oferta, incidem os efeitos climáticos; o estágio das safras; o controle de pragas; o cultivo das áreas de plantio; a logística de distribuição e transporte e diversos outros trâmites vinculados à produção.
Em resumo, tudo no Brasil é convertido em despesas orçadas na moeda dos Estados Unidos, equivalente à R$ 5,23 cada. Mas, ao que parece, reportar essas dissimilitudes não interessa aos Três Poderes da República — e nem ao “Quarto”.